Livreto de Resumos

Arte Saúde e Criatividade:

II Seminário Luso-Brasileiro clínico e interdisciplinar

O CORPO, ENTRE PRAZER E DOR

©️Lizângela Torres, Incursões Noturnas, 2008.

Minicursos

 

Título: Os sinais de sofrimento psíquico no infans

Modalidade: Online

Ministrante: Tanja Joy Schöner Lopes

Os primeiros anos de vida têm um papel preponderante na constituição do psiquismo. O desenvolvimento do humano não ocorre fora de um contexto cultural. Pelo contrário, decorre sempre numa associação entre aspectos orgânicos (de crescimento e maturação) e aspectos psíquicos (da constituição do bebê produzida em relação com o seu “Outro” materno, familiar, escolar e social). O ritmo e o modo de funcionamento não são instintivos, são pulsionais, ou seja, dependem da inscrição do prazer e do desprazer que se produz na relação do bebê com seu cuidador primordial. Assim, é possível e necessário detectar precocemente sinais de sofrimento psíquico no infans, dados a ver em seu corpo, através de suas produções, para se poder organizar, atempadamente, uma intervenção estruturante que favoreça sua constituição subjetiva.

 

Título: Clínica psicanalítica das psicoses: Fragmentos do corpo entre a reclusão e o transbordamento

Modalidade: híbrida

Ministrantes: Profa. Dra. Ana Lucia M de Marsillac , Ms. Gerusa Morgana Bloss, Flávia Gizzi, Isadora Ortolan, Lilian Meira e Sara Chiamolera.

Este minicurso busca colocar em análise a clínica psicanalítica das psicoses através de fragmentos da experiência de um projeto de acompanhamento terapêutico, que é realizado na Universidade Federal de Santa Catarina. Destacaremos, em um primeiro momento, como a psicanálise pensa a estrutura psicótica, o corpo na psicose e seus desdobramentos na clínica. Refletiremos sobre a fragilidade da concepção de corpo nesta estrutura, em que, por vezes, parece perder-se no espaço, ser invadido pelo outro e, assim, resigna-se ao ambiente privado, doméstico ou institucional. A partir dos princípios do cuidado em liberdade e da luta antimanicomial, compartilharemos estratégias na via do fortalecimento subjetivo, visando a reinserção desses acompanhados no laço social.

 

Recomendações de leitura:

GRASSI, Giulia; LANGE, Mariana; GUIMARAES, Beatriz; MARSILLAC, Ana L. O despertar de Iara In: Linhas do tempo: acompanhamento terapêutico na rede pública.1 ed. Porto Alegre: Rede Unida, 2022, v.1, p. 45-48.

https://editora.redeunida.org.br/wp-content/uploads/2022/02/Livro-Linhas-do-tempo-acompanhamento-terapeutico-na-rede-publica.pdf

 

LANGE, Mariana; GUIMARAES, Beatriz; MARSILLAC, Ana L. “Você acredita em sereias?” Sobre a escuta do delírio na clínica do acompanhamento terapêutico In: Linhas do tempo: acompanhamento terapêutico na rede pública.1 ed.Porto Alegre: Editora Rede Unida, 2022, v.1, p. 49-58.

https://editora.redeunida.org.br/wp-content/uploads/2022/02/Livro-Linhas-do-tempo-acompanhamento-terapeutico-na-rede-publica.pdf

 

Título: “Interludus Ateliês”: corpo e linguagem

Modalidade: híbrido

Ministrantes: Angela Baptista, Bianca Lima

Este minicurso tem como proposta  compartilhar  experiências e resultados alcançados com o trabalho  denominado “Interludus Ateliês”, inserido no contexto das práticas interdisciplinares com crianças e adolescentes, atravessadas pelas concepções da Psicanálise.

Os “Interludus Ateliês” são realizados em pequenos grupos, enfocando o fazer coletivo, centrado nas produções lúdicas e gráficas das crianças e adolescentes,  mediadas por profissionais de distintas áreas , transitando entre os aspectos criativos, simbólicos, percepto-motores, tônicos, afetivos-emocionais, cognitivos, entre outros, a fim de serem introduzidos novos significantes para esses diferentes sujeitos.

O modo de condução, colabora para uma nova apropriação dos corpos próprios a cada um, por contemplar o desejo e a linguagem, favorecendo para que os mesmos possam organizar e/ou reorganizar a sua corporeidade, e assim permitir-se ocupar um novo lugar enquanto sujeitos no mundo.

 

 

Seminários

 

Título: Com quantos prazeres comporta um corpo? A Somaterapia como produção terapêutica made in Brazil

Ministrante: Arthur Arruda Leal Ferreira

Modalidade: Presencial

Alguns autores como Jane Russo (em O Corpo contra a palavra) estabelecem que os anos 1980 foram cruciais para a expansão das terapias corporais no Brasil. Afora a expansão de terapias como a terapia Reicheana e a Bioenergética, temos a proposição da Somaterapia, proposta por Roberto Freire no cruzamento de elementos destas terapias com práticas como a Capoeira. Vista na fronteira das práticas psi e problematizada tanto por terapeutas quanto por capoeiristas, ela apresenta perspectivas singulares sobre o corpo e regimes de prazer e segue atuante em terras brasileiras. Neste trabalho buscamos apresentar alguns pressupostos dessa terapia, tentando situá-la no conjunto das terapias corporais e das práticas psi, além de pensar o seu regime singular de uso dos prazeres.

 

Título: Engenharia, Michel Henry e o corpo – dança, fluxo e autodescoberta

Ministrantes: Angela Lacerda-Nobre; Amandine Gameiro Rogério Duarte; Rafael Pérez; Marc Jacquinet

Modalidade: Presencial

I – As abordagens fenomenológicas, como a fenomenologia radical e material de Henry, oferecem respostas importantes aos problemas quotidianos. No entanto, na verdade, estas abordagens levantam ainda mais perguntas do que oferecem respostas. Essas questões, por sua vez, são considerações retóricas e filosóficas, que devem ser continuamente renovadas. Prazer e dor são categorias intelectuais cuja realidade subjetiva é desconhecida até que alguém opte por compartilhar as suas reflexões pessoais sobre o assunto.

II – Qualquer que seja a organização histórica, aplica-se o mesmo princípio. O corpo, do ponto de vista da neurociência psicanalítica, do ponto de vista do performer, ou do ponto de vista quotidiano de tarefas diárias e rotineiras, como escovar os dentes, segue o mesmo padrão. O corpo é uma ferramenta prática que permite ao ser humano dar continuidade à sua vida, cumprir as suas rotinas e obrigações, intervalado com momentos de descontração, ao ar livre e lúdicos, sem que haja necessidade de que este mesmo corpo seja notado, sem uma consciencialização sobre a própria existência corporal, exceto quando se percebe que é preciso marcar uma consulta com o dentista ou que se precisa de tomar um café, de um descanso ou uma pausa.

III – Experiências de vida existenciais, subjetivas e simbólicas, situações-limite e eventos de vida, individuais e coletivos, passados, presentes ou futuros, reais ou ficcionais, são explorados por Michel Henry. A engenharia (i), o direito (ii), ou a economia (iii), buscam soluções para problemas conhecidos. No entanto, a vida, da perspetiva da vivência direta, é atravessada por questões existenciais abertas, que são aparentemente e prontamente respondidas pela moral, pelo hábito e pelos costumes, e que são, literalmente, desmontadas, decifradas e decodificadas por autores como Michel Henry. O presente texto refere-se à obra de Henry anterior à sua conversão ao cristianismo porque, justamente, não se pode ler, ver, ouvir e interpretar os seus textos já contaminados por um determinado ângulo e ponto de vista. A proposta de leitura é a de Michel Henry como o mestre engenheiro do corpo, do corpo vivente e vivido, e que a dança, espontânea ou em situações intencionais, profissional ou amadora, em qualquer idade, representa um evento de fluxo de vida e de autodescoberta. O foco está no corpo, na historicidade, ou seja, como diferentes experiências de práticas podem ajudar a interpretar a atualidade a partir de uma perspetiva histórica, entendendo a história como um campo aberto que pode ser descoberto e redescoberto todos os dias, individual e coletivamente, localmente e globalmente.

IV – A arte e a ciência, os métodos e práticas, o modo de vida e a experiência direta de vida de um engenheiro é um possível critério categorizador para interpretações históricas. Interpretação, não análise, pois o foco está no trabalho humano, i.e. para além da mera análise baseada em dados, big-data, metaverso e abordagens de inteligência artificial apoiadas por computador, embora estes artefactos tenham forçado a reinvenção da história porque revelam ângulos únicos que eram inimagináveis, inconcebíveis e, consequentemente, inexplorados, por exemplo, há um século atrás. A história pode ler-se de uma forma caricatural, através de certos tropos. (i) Nos séculos XVI e XVII, a engenharia, numa perspetiva eurocêntrica recente da Modernidade, pode ser interpretada como a ferramenta por trás da era de realizações impensáveis de obras públicas que, embora não fossem as pirâmides, capturavam a mesma lógica de funcionários públicos, Cosmovisões religiosas, estruturas hierárquicas funcionais, com a produção e reprodução de conhecimento, ligada a esta parafernália institucional. (ii) Depois, nos séculos XVIII e XIX, veio a era da advocacia, com o funcionamento dos processos decisórios económicos e institucionais, e dos procedimentos formais, baseados na autoridade dos códigos jurisdicionais, que sustentavam a organização geoestratégica do mundo, estrutura legal estabelecida através de instituições que permitiram que os órgãos religiosos, civis, militares, acadêmicos e governamentais, locais, nacionais, regionais e supranacionais, exercessem seu poder. (iii) E, finalmente, chegou a era da economia e dos economistas, no século XX e XXI, a era das explorações do espaço sideral, onde o mero vai-e-vem da burocracia envolvida na gestão dos direitos e deveres contratuais, da escala cósmica à nano escala, i.e., gerir contratos, assume mais importância para a existência humana do que qualquer outra atividade necessária para a sobrevivência da sociedade e da espécie. A guerra, nos tempos atuais, na Europa, e em outros cantos do mundo, é apenas a ponta do iceberg da turbulência, transição, e das eventuais deturpações de sentido e de racionalidade, num sentido plural, que estão em curso e que servem de pano de fundo trágico para considerações intelectuais, como o presente texto é um exemplo.

Palavras-chave: corpo existencial; intersubjetividade incorporada; práticas profissionais sociais; historicidade ôntica.

 

Título: À flor da pele: marcas subjetivas

Ministrante: Mario Serra

Modalidade: Presencial

Esta comunicação surge a partir da experiência clínica e de algumas indagações acerca do corpo, das marcas no corpo, do corpo e suas marcas. Tatuagens, escarnificações, modificações corporais cada vez mais povoam as ruas e são vistos por nós. Propomos, a partir de uma vertente psicanalítica, vídeos e vinheta clínica, pôr em circulação questões sobre estes fenômenos que retratam algo da singularidade do sujeito e da sua relação com seu corpo.

 

Título: O Corpo Transfigurado: capturas através da obscuridade dos tempos

Ministrante: Lizângela Torres

Modalidade: Online

A experiência da noite é o mote para o processo de captura e transfiguração do corpo. Diante da apresentação de sua obra, a artista Lizângela Torres comenta o processo de criação, a poética da noite, as principais referências e os conceitos norteadores de sua pesquisa no campo da arte. Como procedimento na instância inaugural de seu processo criativo, os deslocamentos pelo território da noite configuram fotografias, vídeos e pinturas. O corpo vulnerável ao por vir noturno é registrado em movimento, ao passo que captura a paisagem da noite. Em situações obscuras para o registro fotográfico, o corpo mistura-se à sombra e decompõe-se pelo movimento, transfigurando-se em spectrum performativo. Em outros processos, também por meio do vídeo, o espaço é registrado enquanto a câmara se movimenta junto ao corpo. Dessas ações algumas imagens desdobram-se em pinturas, convocando o observador para o desvio através da obscuridade dos tempos.

 

Título: Intradizer Eros e Thanatos, sob as lentes da poesia, da arte e da Psicanálise.

Ministrantes: Anelise Mondardo, Flávia Toledo & Nilena Naime Silva.

Modalidade: Presencial

Abordaremos pulsão de vida e de morte inspiradas na poética do livro Eros, Thanatos Poiesis, incidências na Nova Era da Pele, por Eva F. de Paulo Jesus e na leitura de dois artistas: Adriana Varejão e Marcelo Camelo que leem e expõem de forma completamente diferente uma cena que capturam da realidade. As produções promovem um eco que dá notícia de um dizer das pulsões no corpo.

 

Título: Migrações e sonhos: o corpo em sua dimensão oniropolítica

Ministrantes: Marcela de Andrade Gomes

Modalidade: Online

Este trabalho tem como objetivo refletir sobre o corpo do imigrante em seus aspectos psicológicos e políticos, destacando algumas particularidades da experiência de prazer/desprazer dos corpos em deslocamentos geográficos e subjetivos. O processo migratório, seja o voluntário ou involuntário, provoca uma ruptura das referências imaginárias e simbólicas para o imigrante, provocando um sentimento de desenraizamento e fragmentação do EU gerando, em muitos casos, sofrimento psíquico e ruptura com o laço social. Quando se trata de imigrantes que ocupam um lugar desqualificado pela cultura hospedeira- por sua condição de raça, etnia, gênero e território de origem-, o sofrimento psíquico se soma a um processo de exclusão social, como a xenofobia, racismo e machismo. Assim, o corpo do imigrante é lançado em um lugar deslegitimado e reificado, não sobrando espaço para seu desejo, sonhos e projetos de vida. A partir de relatos de pesquisas realizadas com imigrantes residentes no Brasil, apresentaremos algumas narrativas sobre o universo oniropolítico destes sujeitos. A dimensão oniropolítica- entendida aqui como o encontro dos sonhos com o contexto sociopolítico- pode nos sinalizar como é a experiência psicológica e social de ser imigrante em solo brasileiro, nos fornecendo subsídios para elaborar intervenções que promovam a saúde mental e inclusão social deste grupo que se aproxima de um milhão e meio de pessoas no Brasil.

 

Título: Psicanálise e literatura: o infantil como potência criativa em Georges Perec

Ministrante: Inajara Erthal Amaral

Modalidade: Online

Pretende-se problematizar a relação da inventividade na escrita literária a partir do lugar que a psicanálise dá para o infantil. Lugar que inclui o corpo como escritura por ler.

 

Título: O corpo da criança sofre e fala: leituras possíveis através das suas produções lúdicas e gráficas

Ministrante: Angela Baptista

Modalidade: presencial

O que se passa entre a criança e o seu corpo?

A clínica do pequeno sujeito que se encontra ainda tateando na apropriação da fala articulada, nos dá testemunho  do quanto a criança faz do corpo um lugar privilegiado de expressão do seu sofrimento.

O sofrimento da criança incrustado no corpo, clama por uma leitura do que estaria aí expresso: trata-se de um dizer de outro modo, um dizer cujas letras se apresentam como traços rabiscados em seus desenhos, em suas produções lúdicas.

Propomos nessa breve comunicação, acompanhar o traçar da criança como ato que procura dizer do seu sofrimento,  ato de domínio,  ato de desembaralhar-se do fio que a ata ao Outro, ato complexo, de produções enigmáticas para bom entendedor, de modo que nossa escuta possa possibilitar a criança nesse mundo que a gente traça, bem-dizer: o que vier nós traça!

 

 

 

Título: Detecção de sinais de sofrimento psíquico no primeiro ano de vida: contribuições psicanalíticas à Intervenção Precoce em Portugal

Ministrante: Tanja Joy Schöner Lopes

Modalidade: Online

Diante da psicopatologização crescente da infância, como podemos considerar as contribuições da psicanálise para a clínica de bebês? O presente trabalho retrata a importância da tentativa de tornar o saber psicanalítico sobre os aspectos psíquicos do desenvolvimento infantil mais acessível, através de uma capacitação dos profissionais da primeira infância em Portugal acerca da detecção precoce de sinais de sofrimento psíquico no primeiro ano de vida, favorecendo a possibilidade de criar uma intervenção transdisciplinar centrada primordialmente na relação mãe-bebê e verificada através de uma escuta e leitura clínica do que o corpo do bebê dá a ver.

 

 

 

Título: Do corpo ao sujeito: reflexões sobre a construção do espaço simbólico em contexto de nascimento pré-termo

Ministrante: Danielle Barbosa Maciel de Souza Teixeira

Modalidade: Presencial

O trabalho pretende refletir sobre os impactos de um nascimento pré-termo para a construção imaginária do bebê, a vinculação materna pós-natal e a constituição subjetiva do bebê.

 

 

 

Título: Desfazer do corpo e refazer na imagem: O desenho na constituição subjetiva infantil

Ministrantes: Flávia Toledo & Milena Silva

Modalidade: Presencial

Convocadas a pensar o corpo no que tange a infância, propomos uma comunicação sobre o desenho infantil naquilo que representa o sujeito enquanto “fantasia extemporânea” e constrói, a partir do desenho, uma Outra cena, um corpo por vezes, simbolizado. O desenho, enquanto lugar de mostração, é revelador de tempos subjetivos e permite que a criança posicione-se de outra forma, tanto para si, quanto para os outros.

 

 

 

Título: Abolicionismo: quanto maiores as apostas, maiores as recompensas – explorações henrianas

Ministrantes: Angela Lacerda-Nobre; Amandine Gameiro; Rogério Duarte; Rafael Pérez; Marc Jacquinet

Modalidade: presencial

Prazer e dor são parte de sistemas de recompensa que representam experiências individuais e coletivas e que estão refletidas nos mitos, na moral e na cultura. A existência de prisões é um espelho das cosmogonias e cosmovisões das sociedades contemporâneas. O abolicionismo radical é um truísmo, pois todas as formas de abolicionismo são radicais. O abolicionismo representa um movimento social e um esforço teórico para responder à realidade carcerária, reivindicando a necessidade de acabar com as prisões. De maneira geral, o abolicionismo enfatiza a necessidade de abolir todas as formas de servidão, submissão, martírio e escravidão, porque revelam uma organização social que não atende aos interesses dos humanos, nem à sobrevivência da espécie humana. O argumento de base é que tais realidades representam o inegável e inaceitável fracasso da capacidade de organização humana, ou seja, a faculdade autopoiética ou de auto-organização que está presente em todas as realidades vivas, das células às cidades antigas. A fenomenologia ontológica, através do trabalho de autores como Michel Henry, oferece uma abordagem fundamentada para considerar realidades sociais complexas. A neurociência psicanalítica, incluindo as categorias psicopatológicas, comuns a outras correntes psicoterapêuticas, possibilitam uma reflexão crítica sobre o mundo social das sociedades contemporâneas. Exemplos da vida real, como as realidades de Manaus e Cabo Delgado, no Norte do Brasil e no Norte de Moçambique, juntamente com o exemplo das recentes mortes de jovens, nas prisões de Lisboa, cujos procedimentos de inquérito foram arquivados, ajudam a refletir sobre os problemas sociais e a denunciar a desigualdade económica institucionalizada, de dimensão local e global. O princípio é que quanto maior for a aposta, maior será a recompensa, e que, na perspetiva henriana, é possível ler a realidade carcerária dos tempos atuais como um processo de autodescoberta e de autoexploração. Em outras palavras, a realidade da prisão revela mais sobre as formas de racionalidade dos tempos atuais do que nós, humanos, gostaríamos de admitir.

Palavras-chave: abolicionismo radical; fenomenologia ontológica; neurociência psicanalítica; realidade da prisão.

 

 

 

Título: Desde que o samba é samba, é assim: música, psicanálise e descolonização

Ministrante: Lucas Emmanoel Cardoso de Oliveira

Modalidade: online

Partindo do pressuposto de que o samba é um pensamento-corpo, o objetivo desse trabalho é se deixar ressoar pelo samba para se refletir sobre a música como manifestação crítica da cultura. O procedimento metodológico se dará por meio da análise da letra, da melodia e do ritmo da música “Desde que o samba é samba” de Caetano Veloso, e será epistemologicamente orientado pelo próprio samba, pelas teorias musicais, psicanalíticas e sociais. Propomos que frente ao projeto de colonização do Brasil que se perpetua há mais de cinco séculos por meio da violência sistemática dos corpos, o samba se põe como memória da diáspora africana, ancestralidade, lamento e alegria por meio de um corpo que é resistência insurrecional e sincopa a métrica do domínio colonizador.

 

 

 

Título: Memória, Corpo e Política: tessituras do feminino entre arte e psicanálise

Ministrantes: Profa. Dra. Ana Lúcia Mandelli de Marsillac, Ms. Anelise Mondardo e Ms. Gerusa Bloss

Modalidade: híbrida

Resgatar e reconstruir memórias envolve uma dimensão política, na medida em que possibilita instituir novos traços na trama do tempo, articulados à cultura e ao laço social. Neste ensaio, sublinhamos o trabalho de três artistas contemporâneas: Letícia Parente (BR), Doris Salcedo (CO) e Sophie Calle (FR), que nos apresentam um saber-fazer com a memória. Refletiremos sobre suas produções, a partir da leitura psicanalítica freudo-lacaniana, que nos auxilia a destacar as dimensões das origens, da transmissão, das perdas e do trabalho de luto que colocam em destaque.

Suas obras inscrevem na cultura formas de resgatar memórias que dizem de uma posição discursiva construídas na singularidade, uma a uma. Poderíamos dizer que inscrevem políticas do feminino. Cabe destacar que, na perspectiva psicanalítica, o sujeito tomar para si a feminilidade que lhe constitui é fundamental, uma vez que o conceito de feminilidade é outra maneira de se referir à desfalicização – denominada por Freud de castração e, por Lacan, como  gozo outro (1993/1972-1973)  – que norteiam a clínica psicanalítica. O sujeito é, assim, defrontado com o imponderável e com o indizível, uma vez que não pode dominar as coisas pela postura arrogante do eu (BIRMAN, 1999). A mediação pelo falo revela o esforço da subjetividade em camuflar sua fragilidade.

Analisaremos, com a psicanálise, que o trabalho da memória constitui-se sustentado pelo seu avesso, o esquecimento, permitindo-nos apenas recuperar o que foi perdido. Sustentamos, dessa forma, a perda como condição para a produção da memória (Rickes, 2005).  Rememorar, não é apenas  recuperar a memória, mas também é produzi-la. Dentre as condições para que isto aconteça,  destacamos a produção de um trilhamento psíquico que é guiado pelos traços mêmicos  já existentes,  mas cujo percurso se dá pelo seu efeito, este sim inaugural. Trabalho de trazer fragmentos de memória para o presente, de tecer traços e operar sobre eles o complexo trabalho de re-tessitura, de re-enlace, atualizando-os. Nesse sentido, as artistas dialogam e dão forma aos possíveis da transmissão e da política em uma condição radical de incompletude (FREUD, 1992/1937).

 

 

 

Título: Melancolia e cuidado de si. O prazer, a dor e o outro.

Ministrante: Cláudio Alexandre S. Carvalho

Modalidade: Presencial

A melancolia remete a um desequilíbrio na complexa natureza do homem -manifesto no corpo, no espírito e na relação- cujas vias de alívio foram primeiramente exploradas nas culturas antigas. Irei primeiramente argumentar que estas, ao invés de promoverem a simples supressão de suas manifestações, se concentraram nos humores e na dor corpóreos que caracterizam tal estado, neles entrevendo indícios da potencialidade do humano. Como tal, estabeleceram técnicas e regimes através das quais o indivíduo poderia acolher e reorientar o mal-estar. As chamadas técnicas de si mesmo do período clássico e helenista revelam a inserção do indivíduo em regimes de gestão formativa das dores e dos prazeres, visando a sua integração em comunidades de referência. Aí vingou a tríade filosófica onde o thymus como sentimento de si que medeia entre afecções de origem orgânica e intuições intelectuais. As abordagens filosóficas privilegiaram o taedium vitae, entendido como dor indeterminada, focando a necessidade de um exercício ou esforço voluntário orientado para a eutimia, contando com diversos pharmakon propiciadores de um estado de resolução do mal-estar. Ademais, é pela via educativa e estética que o outro pode surgir como polo animador da existência, prenunciando um estiolar da autossuficiência da vivência e observação melancólicas.

Num segundo momento, atendo aos aspectos diferenciadores das terapias modernas e ao modo como nestas os ordálios da realização plena de si se veem substituídos por modelos horizontais de tensão e aperfeiçoamento. A psicanálise recorre a modos de articulação do inacessível à observação num meio contido de exploração da cisão entre indivíduo, em sua intimidade exclusiva, e mundo. Apesar das suas afinidades com os esquemas de redenção religiosa -sobretudo em sua recusa de uma tranquilidade ou acomodação como fins em si mesmos-, as escolas psicanalíticas tenderam a denunciar as promessas da religião como ilusórias. Finalmente, abordo criticamente a hipótese segundo a qual, as variantes contemporâneas da depressão não têm por causa principal as cargas excessivas do indivíduo, decorrendo sim de uma desvinculação de modelos fortes de pertença e realização de si mesmo.

 

 

 

Título: O corpo melancólico

Ministrante: Prof. Dr. Adelino Cardoso

Modalidade: Presencial

O ponto de partida desta comunicação é a tese de Timothy Bright na sua obra Treatise of melancholy (1586), segundo a qual o estado melancólico tem na sua base um regime de vida (diet) inadequado. Ora, o regime de vida é um conceito muito amplo, que inclui uma dimensão somática, articulada com uma dimensão psicossocial. No entanto, a abordagem da dimensão somática limitou-se, na maioria dos casos, aos humores ou à excitação dos nervos. Daí a necessidade de uma investigação sobre múltiplos aspectos do corpo melancólico.

Nesta comunicação focar-se-á de modo particular o uso do corpo numa forma agravada de melancolia, a acedia, que J. Starobinski caracteriza como “um torpor, uma ausência de iniciativa, um desespero total a respeito da salvação”, “uma tristeza que faz emudecer, uma afonia espiritual, verdadeira extinção da voz da alma” (L’encre de la mélancolie, 2012, p. 51). A nossa pergunta é: que papel jogam na acédia os pares conceptuais: movimento-repouso, sono-vigília?

 

 

Título: O prazer da dor: Sobre a psicodinâmica sadomasoquista

Ministrante: Paulo Jesus

Modalidade: Presencial

O “sadismo” surge como conceito moral, simultaneamente descritivo e avaliativo, aplicado à singularidade libertária da imaginação erótica e da encenação biográfica do criativo Marquês de Sade (1740-1814). A partir da Psychopathia Sexualis (1ª ed. de 1886) de Richard von Krafft-Ebing (1840-1902), o “sadismo” torna-se uma categoria psicopatológica com relevância jurídico-forense. Nos “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” (1905), Freud formula uma explicação do erotismo sadomasoquista através da análise do estádio anal da sexualidade infantil. Esta história concetual merece uma atenção hermenêutica especial, não somente pelas metamorfoses patentes, mas também pelas negligências latentes que nos propomos explicitar. Assim, recorrendo à tensão lacaniana entre Plaisir e Jouissance, examinaremos a inter-corporeidade sadomasoquista como estratégia de maximização da intensidade erótica, ou seja, a dor como intensificador do prazer e a dor como novidade descontínua que interrompe a homeostasia do prazer com o paroxismo intensivo da sensação, eventualmente capaz de destruir o próprio sistema sensorial. Consideraremos ainda como a intensificação sensorial dinamiza o desejo erótico e os processos de vinculação afetiva, revelando ao mesmo tempo a ambiguidade expressiva e comunicativa do prazer-na-dor e da dor-no-prazer.

 

 

Título: Do amor à loucura: Uma leitura literária à luz da “Insânia dos Amantes” de F. Montalto (Arquipatologia, 1614)

Ministrante: Joana Mestre Costa

Modalidade: Presencial

Da Antiguidade à Contemporaneidade, têm-se dedicado os maiores vultos da Literatura mundial ao confronto entre amor e loucura. Na voz dos vates, confrontam-se, o amor e a loucura, porque confinam e, tantas vezes, a sua fronteira se dilui.

No tratado quinto da sua Arquipatologia, Filipe Montalto descreve, classifica, perscruta e minudencia a Insânia dos Amantes.

A reflexão que aqui se propõe intenta aproximar a(s) perspetiva(s) literária(s) da proposta de Montalto para essa desrazão advinda do amor, que é, também, uma dor que acomete o corpo e que pode decorrer do prazer.

 

Título: Haverá lugar para o desejo entre a dor e o prazer?

Ministrante: Nuno Miguel Proença

Modalidade: Presencial

Admitamos esquematicamente que o prazer é a sensação agradável e duradoura relativa a um estado afectivo ou emocional de plena satisfação de uma necessidade vital ou de uma predisposição fìsica e que a dor é uma sensação desagradàvel, com maior ou menor intensidade ou violência, resultante de um choque, de uma afecção ou de qualquer outra alteração orgânica ou emocional.

O conjunto dos nossos esforços e das nossas actividades parece, assim, inscrever-se num movimento espontâneo consistindo em procurar o prazer evitando a dor, de modo que o sentido geral da vida – o seu dinamismo imanente, por assim dizer, o seu desejo próprio– equivaleria à passagem permanente da satisfação à insatisfação, das formas de sofrimento a modos de fruição, do estado de doença à saúde.

No entanto, as inúmeras figuras de padecimento crônico (indo do desespero ao masoquismo, da angústia à melancolia, da ansiedade à depressão) parecem dar a entender, tal como a crueldade ou o sadismo, que pode haver prazer na dor, seja ela própria ou alheia, de modo a que o seu evitamento ou a passagem a formas  de prazer sem mistura (para dizer como Platäo) não se fazem com a espontaneidade feliz que agora mesmo nos parecia evidente.

O que explica, então, que a transformação tenha lugar ou não? O que faz com que nos comprazamos ou não naquilo que perpetua a dor ou o sofrimento? Os benefícios e as gratificações que daí se retiram? A ignorância de outras possibilidades de vida? A ausência de liberdade ou simplesmente a inibição da energia da própria vida, sem a qual é impossível levar a cabo as mudanças subjetivas ou intersubjetivas capazes de acarretar a essa passagem ?

Lendo de perto alguns textos da filosofia, da tradiçäo psicodinâmica e da reflexäo sobre a criaçäo artìstica, vamos admitir que essa transformaçäo requer um desejo que, sendo próprio ao movimento vital, inscreve o sentido das nossas acçöes na relação a formas de alteridade e de valoração que permeiam a imanência afectiva, mas também que isso nos pode conduzir a passar além da alternativa entre o prazer e a dor (e da eventual mistura de ambos).