Projetos de Pesquisa

 

  • O CORPO, O DIZER E A FORMA NA CONTEMPORANEIDADE:  INTERFACES DA PSICANÁLISE COM OUTROS CAMPOS

Coord. Profa. Dra. Ana Lúcia Mandelli de Marsillac 

(Projeto Guarda-chuva – 2020 a 2025)

As concepções de corpo são balizadas por suas contingências históricas e manifestam-se nas subjetividades, nos movimentos sociais, na legislação, nos fazeres técnicos, nas obras de arte, nos hábitos, nos valores, nos desejos e perspectivas de futuro. Na concepção psicanalítica, o corpo é uma composição entre sua materialidade orgânica, presencial e impossibilidades (real); seus dizeres, que se articulam à cultura, aos valores e às falas, que precedem e envolvem o sujeito e marcam seu corpo (simbólico); bem como por sua forma, imagens e fantasias (imaginário). O corpo, assim, é o articulador subjetivo dos três registros da realidade e da experiência, a saber: real, simbólico e imaginário (LACAN, 1975-76). Dessa forma, ampliar a reflexão sobre a temática do corpo no campo da psicanálise,  articulado às contingências do seu tempo, em interface com outros campos de saber é o objetivo central deste projeto de pesquisa. Sustenta-se teórica e metodologicamente na concepção psicanalítica, mas necessariamente em seu diálogo com outros campos de saber, tanto em suas dimensões epistemológicas quanto práticas. Nesse sentido, nossos objetos de análise são os próprios saberes sobre o corpo; os fazeres que contribuem para o conhecimento do corpo, os objetos da cultura, em especial, as obras de arte e a literatura, bem como a experiência corporal do pesquisador e dos sujeitos envolvidos. Na atualidade, a pandemia nos impõem desafios que demarcam ainda mais a insuficiência humana e a fragilidade do corpo, expõem a morte no cotidiano, revelam a precariedade das instituições e escancaram a falta de garantias no viver. Se o corpo já era tema relevante de análise por sua complexidade; as contingências atuais ressituam nossas questões, uma vez que acentuam a expansão do corpo, pelas realidades virtuais a que ficamos imersos, e, paradoxalmente, sublinham sua insuficiência ante a um vírus mortífero, que impõe restrições, rotinas e reclusão do corpo. Enfrentar o risco ampliado de morte e a reclusão social reforçam que o corpo precisa, para além de suas necessidades biológicas, o encontro com o outro e com a cultura, em uma concepção biopsicossocial, como bem analisa o campo da saúde coletiva. No que tange ao campo das artes, o tempo em que vivemos, reforça sua importância e sua capacidade de “alimentar” e movimentar o corpo, contornando-o com significados possíveis e compartilhados, auxiliando a amparar a angústia que habita a experiência corporal e a escassez de encontro com o corpo dos outros. Saberes como a psicanálise, arte, literatura, saúde coletiva, filosofia, história e comunicação contribuem com leituras críticas aos seus contextos e permitem sublinhar a densidade nas concepções de corpo e suas implicações ético-políticas no laço social. Além disso, auxiliam-nos a criar formas de intervenção ante ao sofrimento, que incluam os sujeitos, buscando minimizar o mal estar subjetivo e qualificar o laço social, a partir do encontro com a diferença que nos habita.

Considerando esse amplo campo temático, constituiu-se o presente Projeto de Pesquisa, que agrega três linhas de pesquisa, que envolvem e ocupam-se de saberes, experiências e traços da cultura para refletir sobre o corpo. são elas:

Linha 1) Epistemologias sobre o corpo – Análise dos fundamentos epistemológicos sobre o corpo, seus dizeres e formas em diferentes perspectivas teóricas, que dialogam com a psicanálise.

Linha 2) Escritas da Experiência – o Corpo na Clínica e Ações Psicossociais – Escrita, a partir da análise de experiências clínicas e ações psicossociais, em especial sob o prisma psicanalítico, que coloquem em questão o tema do corpo na atualidade, seus dizeres e formas, bem como a dimensão política da clínica em suas relações com a singularidade, com as contingências e com a polis.

Linha 3) Leituras sobre Corpo e Cultura – Pesquisa, análise e leitura de obras visuais, musicais, literárias ou teatrais de artistas, em especial contemporâneos, que abordam os temas do corpo, seus dizeres e formas, que dialogam com a psicanálise.

De forma transversal, esta pesquisa busca, assim, analisar racionalidades, práticas, experiências e imaginários culturais em relação ao corpo, que tem a força de interrogar ideais dominantes no seu tempo e de dar visibilidade aos fazeres, que preconizam a singularidade e complexidade do corpo. Debruçar-se sobre o corpo é questão importante e pertinente ao nosso tempo. É através do corpo que temos contato com o outro, com a complexidade do tempo e com o inevitável encontro com a morte. Enfatizar a singularidade do corpo, a densidade da sua constituição e experiência através do campo da psicanálise em interface com outros campos pode contribuir para questionar a lógica da homogeneização das diferenças tão presente na atualidade, bem como para restituir o valor da enunciação, das trocas e da experiência.

 

  • PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO, CLÍNICA AMPLIADA E SOFRIMENTO PSÍQUICO

Coord. Profa. Dra. Mériti de Sousa

Descrição: O objetivo desse projeto é produzir conhecimento crítico visando estabelecer e consolidar pressupostos teóricos e metodológicos necessários à implementação de práticas clínicas ampliadas que possam dar conta da escuta das novas modalidades e das novas manifestações do sofrimento psíquico. A literatura sobre o tema explicita a existência de impasses no plano da teoria e das estratégias de obtenção do conhecimento derivados do recorte disciplinar hegemônico na tradição ocidental moderna. Para abordar tal impasse, entendemos serem necessárias uma visada interdisciplinar e o recurso a referências teóricas de diversas áreas do conhecimento que possam sustentar a escuta do sofrimento psíquico a partir de contextos e instituições diversas, e que possam sustentar a escuta e a abordagem do sofrimento psíquico realizadas em enquadres tradicionais e não tradicionais. De forma específica interessa: (a) problematizar o conhecimento que tradicionalmente sustenta a clinica apoiado na metafísica da presença, na lógica linear e causal, nos binarismos, na substantivação da realidade e da subjetividade; (b) pesquisar as novas manifestações do sofrimento psíquico a partir dos modos atuais de produção da subjetividade; (c) aprofundar o conhecimento produzido interdisciplinarmente como sustentáculo de estratégias de intervenção psicológica a partir de enquadres tradicionais e não tradicionais que venham ao encontro da demanda da população atendida.

 

  • CONHECIMENTO, LINGUAGEM, REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA: APORTES DE JACQUES DERRIDA ACERCA DO MÉTODO E DA SUBJETIVIDADE

Coord. Profa. Dra. Mériti de Sousa

Descrição: O trajeto histórico da sociedade ocidental e moderna acompanha um intrincado cenário de poder e saber que cauciona leituras sobre a realidade, a subjetividade, o conhecimento, bem como, adota os parâmetros da metafísica da presença e da lógica formal. O poder se articula ao saber e sustentam teorias e práticas nas mais diversas áreas do conhecimento que tanto ancoram as representações identitárias e a linguagem quanto positivam os pressupostos da modernidade. Assim, a lógica formal e a metafísica da presença sustentam o modelo hegemônico de conhecimento centrado na modalidade denominada ciência e na modalidade de constituição subjetiva calcada no sujeito epistêmico e na representação identitária. A partir do exposto é possível entender que o modelo tradicional hegemônico de conhecer e de subjetivar também se sustenta ao propor a elaboração e a validação de uma rede conceitual que dissemina uma linguagem centrada em conceitos que procuram se estabelecer como verdadeiros e disseminar a concepção do signo como constituído pelo representado e pelo representante a partir da articulação entre significante e significado (Foucault, 1987, 1990; Morin, 1998, 2006; Canguilhem, 1977; Derrida, 1971, 1991, 1999, 2002, 2008). No cenário contemporâneo o conhecimento produzido por diferentes áreas apontam à necessidade da assunção de outros elementos para além dos pressupostos hegemônicos calcados no sujeito cognoscente e na lógica formal causal e linear Em outras palavras, o método científico diz respeito a específico modo de produção e de transmissão do conhecimento que conquista hegemonia no ocidente moderno. Assim, as matrizes teóricas que sustentam a maioria das teorias e das práticas encontram respaldo nos pressupostos da tradição predominante e do método cartesiano que desqualificam o devir, o negativo, o descontínuo, a diferença, o indecidivel, o inconsciente, o singular, a contradição (Morin 1998, 2006; Foucault, 1987, 1990; Butler, 2003, 1997; Chaui, 1998, 2006). Não obstante, modalidades contemporâneas de produzir e de transmitir conhecimento são produzidas por áreas como a física, a matemática, a filosofia, dentre outras, e questionam a primazia dos pressupostos da lógica formal, da exclusividade do universal, da relação causal linear, da representação identitária. De forma específica, Derrida analisa e critica o conceito de signo que acompanha as leituras clássicas da linguagem, e o conceito de representação identitária, ao criticar a predominância da substância como referência a constituição da realidade. Derrida propõe os conceitos de rastro, differánce, devir, khôra, dentre outros, contrapondo-os aos conceitos de representação identitária como parâmetro para o sujeito e de linguagem como signo composto pelo par binário significante e significado. Assim, as leituras de Derrida possibilitam questionar a presença e a substância como modalidades a priori para configurarem a linguagem e para a representação identitária. Essa afirmação demanda problematizar a modalidade epistemológica moderna que organiza um pensamento, uma linguagem, uma escrita, ancorada na operação de representar que supostamente (re) apresenta ao sujeito a temporalidade e a materialidade da realidade, do conhecimento e da subjetividade. Considerando esse contexto marca esta pesquisa a análise dos pressupostos de linguagem e de sujeito na obra de Jaques Derrida nas suas relações com o processo de produzir conhecimento denominado método e com o modo de subjetivar associado ao sujeito.

 

Trouxas ensanguentadas (1970) – Artur Barrio. © Marsillac (2018). Aberturas utópicas: arte, política e psicanálise (1a ed.). Curitiba: Appris.